"Uma criança leitora naqueles dias antigos, presa no espartilho ou até mesmo na camisa-de-força das certezas vitorianas, podia se deliciar com uma história repleta de absurdos. O tempo era maleável durante uma louca festa com chá em que poderia haver geléia ontem e geléia amanhã, mas jamais haveria geléia hoje. Criaturas podiam mudar de forma, uma ovelha virar uma velha, um bebê virar um porco. A fúria podia vencer a razão. No século XIX, ler Alice era revigorante porque era uma fuga das convicções rígidas sobre a realidade. Mas hoje? Hoje? As crianças dos séculos XX e deste início de XXI odiavam os livros de Alice, não conseguiam lê-los, e por que deveriam? Seu mundo entrou na loucura há muito tempo. Olhe o planeta. A chuva é ácida, venenosa. O sol provoca câncer. Sexo = morte. Crianças se assassinam mutuamente. Pais mentem, líderes mentem, as igrejas têm menos credibilidade moral do que as propagandas da Benetton. E os rostos de crianças desaparecidas olhando de caixas de leite - imagine todos esses pobres Meninos Perdidos e Meninas Perdidas, não na Terra do Nunca, mas aqui, perdidos agora. Não é de espantar que o País das Maravilhas não seja mais divertido de ler: Nós vivemos nele em tempo integral. Precisamos de uma folga dele.
Trecho do livro "Perdidos", de Gregory Maguire.
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